sexta-feira, 30 de março de 2007

Desperdiçar a vida

Eu vi uma frase há um tempo atrás, não me lembro ao certo quem disse. Acho que ouvi de Fran Christy numa palestra... Bom, a frase era mais ou menos assim: "Que insensatez ter o cuidado de não desperdiçar o tempo aos poucos, mas por outro lado não ter a menor preocupação em desperdiçar uma vida inteira."

Vejo pessoas paranóicas com administração do tempo e produtividade. Querem aproveitar cada minuto para produzirem, produzirem, produzirem... tempo é dinheiro, elas não podem parar, elas têm que estar fazendo alguma coisa "util". Um de meus melhores amigos é assim, ele tem sua própria empresa e trabalha que nem um condenado. Ele não assiste TV, regula ao máximo o tempo no telefone, come enquanto trabalha. Eu não estou julgando meu amigo, pois quem sabe da vida dele é ele mesmo. Eu só estou ilustrando como se comporta uma pessoa paranóica com administração do tempo. Acho que em alguns casos, a paranóia é justificável, pelo menos durante uma fase da vida, mas também acho que para chegar nesta conclusão a pessoa deve parar e refletir: será que na ânsia doentia de aproveitar cada momento ela não está desperdiçando uma vida inteira?

Meu amigo tem a empresa dele, ele está paranoicamente criando as bases para um futuro sólido e seguro. Se ele está errado ou se está certo eu realmente não sei, eu não sou nenhum expert! Vejo no entanto pessoas se desgastando, se estressando, jogando fora relacionamentos importantes com família, amigos, parceiros em nome da empresa X ou Y.

Moro a uns 20 minutos da Microsoft. Tenho vários vizinhos e conhecidos que trabalham lá. Eles são todos paranóicos! Eles trabalham 10 - 15 horas por dia, vão dormir pensando em soluções para os problemas do trabalho, quase não têm amigos. São consumidores ávidos de ferramentas de administração do tempo (não é à toa que Stephen Covey vêm à cidade com frequência!). O lema deles é produtividade total, mínimo desperdício possível de tempo. E tudo isso pra deixar mais gorda ainda a conta bancária do Sr. Bill Gates, que por "coincidência" é o homem mais rico do mundo!

Você pode dizer: "ah, mas eles fazem isso por suas contas bancárias também..." não exatamente... Eles ganham bem sim, mas a paranóia é resultado do "estilo Microsoft de ser". Há uma competitividade absurda entre os funcionários, um nível de motivação alto, um clima de liberdade e uma falsa retórica de que "você é o dono da sua carreira por aqui". Eu fico com a triste impressão que estas pessoas vão chegar em um ponto da vida, olhar pra traz e ver que deixaram todos os seus sonhos de lado em nome da produtividade e tudo o que fizeram foi colocar mais dinheiro no bolso do tio Bill. Mas chega de falar mal da Microsoft, nem era essa a minha intenção quando eu comecei a escrever esse post.

Assim como ocorre na Microsoft, ocorre também em muitas outras empresas ao redor do mundo, pessoas desperdiçam suas vidas para garantir que um indivíduo (o dono da empresa) conquiste seus objetivos. Elas ficam tão preocupadas em aproveitar o tempo, não desperdiçar um só minuto e não percebem que estão deixando a vida inteira escorrer pelo ralo. Elas acham que estão dando conta da própria vida muito bem sendo organizadas, administrando bem o tempo, mas ao meu ver o que elas acabam sendo é uns perfeitos robozinhos, seguidores de ordens, ajudando outras pessoas a atingirem seus objetivos às custas da realização dos seus próprios.

Mas não pense que isso só ocorre com workaholics, ou viciados em trabalho... Minha mãe mesmo, uma dona de casa que nunca trabalhou fora é obsecada por administração do tempo e organização. Ela não suporta "perder tempo" com besteira como ela diz, mas será que o que é importante pra ela realmente faz diferença no quadro geral da vida? Eu lembro quando era pequeno e ela brigava comigo por atrapalhá-la quando ela estava fazendo algo "importante" como organizar a casa ou planejar um jantar para amigos. Será que quando ela estiver em seu leito de morte pensando em tudo o que valeu a pena em sua vida, ela se sentirá bem consigo mesma por ter priorizado a organização da casa em detrimento da atenção ao seu próprio filho? Bom, eu acho que ela nem sequer vai se lembrar disso... Eu não quero ser cruel com a minha mãe, nem tenho nenhum trauma na minha memória desses momentos de "rejeição", só quero ilustrar uma situação comum nos dias de hoje.

O tempo é curto e passa rápido, a forma como você utiliza as pequenas unidades de tempo no seu dia-a-dia irá definir o quanto de real aproveitamento você teve na vida quando esta chegar ao final. Ao meu ver relacionamentos estão no topo dessa cadeia de importância. Quando seu corpo não estiver mais por aqui, somente a sua memória e seu legado permanecerão. O tempo que você desperdiçou organizando sua papelada, administrando seu tempo meticulosamente evitando perder tempo com "pessoas desnecessárias" ficará perdido nos confins da sua memória e não fará diferença nenhuma nem para você, nem para os que ficarão depois de você.

Não sou contra administração do tempo :) Sou contra a insensatez na adminuistração da vida quando esta começa a priorizar detalhes "esquecíveis" ao invés de colocar a técnica a favor da vida, ou seja, a administração do tempo deve ter o objetivo de otimizar as atividades realizadas para que você dedique o menor tempo possível com coisas necessárias porém "esquecíveis" e aproveite a sua vida criando momentos inesquecíveis.

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